quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Crise provinciana sob diversos prismas

São tempos estranhos em Porto Alegre. O comportamento das pessoas está confuso, está havendo uma preocupante inversão de valores, e um dia vamos entender com claridade o porque disso tudo. Nos últimos dias tivemos acontecimentos que me motivaram a tirar a pena da gaveta, organizar as ideias e botá-las no papel, pois nem só de opiniões reprimidas vive o homem. E por mais que ninguém tenha pedido, não vejo nada demais em me posicionar frente a toda essa loucura pela qual estamos passando.

Enquanto isso, no Paço Municipal... até as galinhas estão mais
amparadas que nós (Foto: Adriana Franciosi/ZH)
Na madrugada do último sábado, estava eu navegando pela internet, quando li em um portal de notícias que um taxista havia sido assassinado na Zona Leste da capital gaúcha. Meu pai trabalha como taxista, à noite, e na mesma região. Pensem em um susto... Passado aquele primeiro impacto, descubro que também era um pai de família, honesto e trabalhador, quem havia perdido a vida enquanto tentava ganhar o pão. Se teve algum sinal dos bandidos, ou de algum suspeito? Óbvio que não.
Então, no dia seguinte, peguei uma carona com o velho, extremamente aliviado por estar ali, e não em um lugar muito pior naquele momento. Comentando sobre o acontecido, nem entramos no mérito da impunidade - com ela convivemos desde que nos entendemos por gente, e isto não vai mudar tão cedo. Mas pensamos na família que mais esse trabalhador deixou, sem rumo, sem perspectiva... É complicado. Não há a menor garantia de que os três filhos e a viúva desse cara conseguirão se manter.

Os taxistas em Porto Alegre (e acredito que em todo o Brasil) não tem o menor respaldo, são tratados como autônomos, como se a profissão não fosse regulamentada e repleta de exigências. Só tem direito a uma aposentadoria irrisória quem faz os depósitos para o INSS sob sua própria responsabilidade. Perante aos órgãos controladores, só deveres, nenhum direito. Isto é revoltante e desalentador, principalmente pois a categoria está exposta à insegurança crescente, à toda sorte de acidentes, entre outras coisas.
Em outra oportunidade, diversos taxistas ocuparam a frente da residência do governador Tarso Genro. Desta vez, bloquearam algumas das principais vias de Porto Alegre. Nunca houve qualquer efeito prático, nenhum. Pelo contrário, só aumentaram as exigências, como, por exemplo, a padronização da vestimenta e a imposição da implementação de GPS na frota. Enquanto isso o dia-a-dia nas ruas segue pesado, com o trabalhador saindo de casa sem nenhuma certeza se irá voltar no final da jornada.

Derivo. Ano passado, antes de um jogo entre Grêmio e Santos, na Arena, houve uma grande confusão entre um grupo e policiais militares. Após tentar deter integrantes desse grupo, os brigadianos foram recebidos com pedras e garrafas, no que responderam com tiros de bala de borracha. Um torcedor, que passava no momento dos disparos, foi atingido no rosto e perdeu a visão do olho direito. Mais de um ano depois, em meio ao processo instaurado pelo torcedor para que o poder público o indenizasse, uma surpresa.
Um procurador do Estado, certamente fora da normalidade de suas faculdades mentais, afirmou que o atingido se posicionou na "linha de tiro" dos policiais militares. Inacreditável, absurdo, ridículo! A postura da corporação nesse caso não tem o mínimo de sensibilidade e empatia com o demandante e com o contexto do ocorrido. Impossível não sentir mais nojo, mais repulsa deste órgão podre de tão corrompido, que sequer é capaz de garantir a segurança dos cidadãos de bem.

Enquanto isto, na periferia de Porto Alegre, escolas e postos de saúde são sistematicamente fechados pelo poder paralelo, geralmente chefiado pelos líderes do tráfico, que querem evitar "empecilhos" em meio à guerra pelo comando das ações nas vilas. Sim, existe toque de recolher em Porto Alegre, e as polícias Civil e Militar, respaldadas pela inútil Secretaria de Segurança Pública, fazem vista grossa, negando até a morte - geralmente de inocentes -, enquanto a bandidagem faz a festa.
A corda sempre estoura do lado mais fraco; neste caso, da população impotente frente às ameaças que podem até cessar em alguns momentos, mas volta e meia aterrorizam as pessoas de bem, que só querem trabalhar e viver dignamente. Não se vê a menor rigidez no combate ao crime organizado, as ações são sempre inócuas, permitindo as famosas brechas - parece óbvio, se fosse diferente e o combate fosse incisivo, a guerra civil estaria declarada, e talvez víssemos uma luz no fim do túnel.

Do crime organizado ao lazer desorganizado. A Leal e Valerosa Cidade de Porto Alegre cresceu em muitos aspectos, mas a alma do porto-alegrense segue mais provinciana do que nunca. Estamos em 2014, pensando como em 1964, barrando o desenvolvimento econômico das formas mais esdrúxulas possíveis. Ao longo dessa semana, diversos bares e casas no bairro Cidade Baixa, reduto boêmio da capital gaúcha, foram fechados pela prefeitura.
O argumento para as interdições era a poluição sonora. Santa ingenuidade de quem acreditou nesse papinho. O problema não é, nunca foi, e nunca será os lugares em si. Todo mundo sabe que os bares foram fechados por conta das badernas nas redondezas dos estabelecimentos, que se estendiam pelas madrugadas afora. Vivemos uma crise de comportamento. Estamos muito extremistas, não damos o braço à torcer em nenhuma situação.

Querem fazer este movimento migrar para as margens do Estuário do Guaíba, no entorno do praticamente inutilizado e esquecido Anfiteatro Pôr-do-Sol, onde uma menina foi estuprada a algumas semanas, justamente pela falta total de segurança. Isso só pode ser uma piada de péssimo gosto. Tudo bem que a Cidade Baixa é uma região originalmente residencial, mas isolar um público que movimenta e aquece a economia da região é algo totalmente absurdo.
Por outro lado, é necessário organizar a bagunça que o bairro se tornou. Nasci e morei durante 4 anos lá, e meus pais souberam bem o inferno que foi criar três crianças pequenas em meio àquele ambiente - que melhorou muito desde então, devo admitir. Mesmo assim, há muito o que melhorar. Se as pessoas tivessem um pouco mais de noção e consciência, nenhuma atitude extrema seria tomada, e o lazer, o trabalho e a segurança seriam satisfatórias na cidade que tanto amamos. Até lá, vida que segue, se possível.