domingo, 17 de julho de 2016

Crônica da quebra de um encanto

Tévez foi apático e só pode lamentar a eliminação do seu Boca Juniors para o surpreendente Independiente del Valle (Foto: Marcos Brindicci / Reuters)
Da euforia à decepção. Uma promessa não cumprida. Um final desastroso, fiasquento. O final de temporada no futebol argentino tem a melancolia dos tangos mais tristes, com aquele quê de tragédia que só os porteños conseguem colocar em melodia e canção.



Nos últimos anos os torneios sul-americanos vinham apresentando para o grande público alguns clubes de menor expressão dentro do cenário nacional, em detrimento dos chamados “cinco grandes”, que andavam passando por maus bocados, inclusive visitando a indesejada Primera B Nacional, no caso de River Plate e Independiente. Tudo bem que o conceito de grandeza na Argentina não está ligado diretamente ao número de títulos conquistados, ou qualquer critério no âmbito esportivo, mas isso é outra história.
No final de 2013 escrevi, ainda no Albiceleste Brasil, sobre o assunto "grandeza": Quando o maior não é um grande – ou um tratado sobre a grandeza
Para a Libertadores 2016, foram seis os representantes argentinos, sendo eles quatro dos cinco grandes, além do Huracán, considerado por muitos como um “sexto grande”. Aliás, fato que não era inédito, uma vez que na edição anterior da competição mais charmosa das Américas os representantes haviam sido os mesmos, à exceção do Estudiantes, que deu lugar ao Rosario Central este ano. A expectativa era que o futebol argentino alcançasse a 3ª final consecutiva e, consequentemente, conquistasse o 3º título seguido.

Os últimos campeões, San Lorenzo e River Plate, haviam passado por maus bocados, mas acabaram mirando y tocando La Copa em 2014 e 2015, respectivamente, quebrando uma hegemonia brasileira que já durava quatro anos. As coisas em 2016 começaram um tanto quanto nebulosas para os grandes, já que as atenções tinham que ser divididas entre Libertadores e Campeonato Argentino, que voltava a ser curto, com um regulamento esdrúxulo. E as coisas não estavam acontecendo como o esperado...

Em nenhum momento os participantes da Libertadores chegaram perto da vaga para a competição em 2017, à exceção do San Lorenzo, que se classificou, mesmo sendo trucidado pelo Lanús na final do campeonato. Um indício que as coisas não dariam muito certo, foi a série de empates nas rodadas de clásicos; apenas Rosario Central, em fevereiro, e o San Lorenzo, em abril, conseguiram vencer seus arquirrivais.

Na Libertadores, o Huracán já precisou superar dificuldades gigantescas, ainda na primeira fase, quando o ônibus que transportava o elenco na Venezuela, após a classificação heroica contra o Caracas, sofreu um acidente e por pouco não causou uma tragédia. A participação do Globo até que foi honrosa, eliminando Peñarol e Sporting Cristal, e complicando as coisas para o Atlético Nacional nas oitavas de final – o fortíssimo time colombiano havia sido adversário também na 2ª fase.

Esportivamente, o San Lorenzo sim foi uma tragédia. Não conseguiu vencer sequer um jogo em casa, e foi presa fácil jogando fora do Nuevo Gasómetro. Digamos que o time merecia melhor sorte, principalmente nos confrontos contra o Grêmio, mas foi grandiosamente prejudicado pelas ideias de jogo do seu então treinador, Pablo Guede, que preferia um estilo de jogo ultra-ofensivo, em detrimento de uma defesa mais sólida. No final das contas, acabou tendo que encerrar sua participação de forma melancólica, empatando com a Liga de Quito.

O Racing jamais chegou a empolgar, ou dar pinta real de que seria campeão. Passou com relativa tranquilidade pelo mexicano Puebla na 1ª fase, e por Bolívar e Deportivo Cali na fase de grupos, ficando atrás apenas do Boca Juniors. Contra o Atlético Mineiro, nas oitavas de final, La Academia chegou a estar se classificando, até os 25’ da etapa final, quando Pratto definiu o confronto no Independência. Com um time mais envelhecido e sem ideias de jogo muito claras por parte do técnico Facundo Sava, o Racing fez até mais do que poderia.

Quem decepcionou foi o Rosario Central. Tido por muitos como o time que jogava o melhor futebol na Argentina, não conseguiu se afirmar em nenhum momento. Fazendo uma rotação intensa no elenco, Eduardo Coudet parecia satisfeito apenas com a classificação, mesmo sendo visível o potencial que a equipe tinha. O melhor momento canalla na Libertadores foi nas oitavas de final, quando detonou o Grêmio, com duas grandes atuações. Nas quartas de final, o time não foi páreo para o Atlético Nacional, sendo eliminado com um gol no último lance da partida de volta, na Colômbia.

O Independiente... bom, o Independiente, de Avellaneda, foi o único grande ausente na Libertadores, mas teve outro Independiente que incomodou e muito na competição. Para a história, o Independiente del Valle é mais um estreante nas finais do torneio. Não apenas isso, os equatorianos eliminaram os gigantes River Plate e Boca Juniors, um verdadeiro Davi encarando de frente dois dos maiores Golias do futebol sul-americano.

O River Plate encarou problemas contra o São Paulo, mas, apesar da pontuação apertada na fase de grupos, nunca correu riscos reais de ser eliminado. Nas oitavas de final, o Millonario foi surpreendido pelo Independiente equatoriano, na altitude de Quito, e perdeu por 2 a 0. No jogo de volta, no Monumental de Núñez, o goleiro Azcona se consagrou, pegou quase tudo e os argentinos não conseguiram fazer mais que 1 a 0. Resultado e futebol insuficientes.

O time do Boca Juniors indiscutivelmente não era o melhor da gloriosa história do clube. Longe disso. Particularmente, fazia muito tempo que eu não via um time azul y oro tão fraco. Penso que este seja o time mais fraco dos últimos 20 anos. O time inicialmente treinado por Rodolfo Arruabarrena começou com dois empates, e o desempenho fraco, também no campeonato nacional, fez com que o presidente Daniel Angelici perdesse a paciência e demitisse El Vasco. A chegada de Guillermo Barros Schelotto fez o time encorpar e vencer os últimos três jogos, incluindo uma grande goleada sobre o Deportivo Cali, na Bombonera.

No final das contas, esses bons resultados eram enganosos, uma vez que a fragilidade dos adversários disfarçava as limitações dos xeneizes. Isso se viu contra o Cerro Porteño, nas oitavas de final, quando o Boca Juniors venceu as duas, mas sem um desempenho convincente. Na sequência, eliminar o fraco Nacional uruguaio foi uma dificuldade gigantesca. Depois do empate no Parque Central, por 1 a 1, uma vitória simples classificava os argentinos para as semifinais. Mas as coisas não foram tão simples assim... Os uruguaios se impuseram e saíram na frente com um gol contra do capitão Daniel Díaz. O Boca empatou com Pavón, que tirou a camisa na comemoração do gol e foi expulso. O empate levava o resultado para os pênaltis, o que acabou acontecendo. Na decisão na marca dos 11 metros, brilhou a estrela do mundialista Orión, que defendeu três penalidades e garantiu a classificação xeneize.

Houve a parada para a Copa América Centenário, e algo estranho aconteceu. O time parou de jogar, devido ao final do campeonato nacional, e o ritmo de jogo se esvaiu. Isso ficou perceptível no retorno, em julho, para o confronto contra o Independiente del Valle, nas semifinais da Copa. No jogo de ida, em Quito, faltaram pernas e fôlego para segurar os equatorianos, que conseguiram uma importante virada, após os argentinos saírem na frente, com o gol de Pablo Pérez. O domínio do Independiente também foi algo preocupante, pois a maior posse de bola foi dos donos da casa, além das melhores chances de gol.

Muito se falou antes do jogo de volta. A maioria do público imaginava que o Boca Juniors fosse se impor, fosse amassar o adversário, se aproveitando do peso de sua camisa e da tão falada mística da Bombonera. A festa foi a de sempre, mas a camisa ficou leve e a mística se esfacelou diante dos olhos de 50 mil pessoas. O garoto Pavón abriu o placar logo aos 3’, o time perdeu várias chances de gol, e permitiu o empate do time equatoriano. A volta do intervalo foi o início de um filme de terror. O Boca se atirou ao ataque, se expôs completamente aos contra-ataques adversários, e, coincidentemente aos 3’, o garoto Bryan Cabezas fez o gol da impensável virada. Dois minutos depois, Orión, heroi contra o Nacional, falhou miseravelmente e Angulo empurrou para o gol vazio.

A partir daí, a Bombonera, Schelotto e os jogadores ficaram aturdidos. Foi um impacto forte demais para que pudesse se ver uma reação racional de algum boquense no estádio. Inclusive Maradona abandonou seu camarote na tradicional cancha xeneize. Pavón ainda diminuiu no final do jogo, mas nem a derrota conseguiu ser evitada. Nem a derrota na final da Libertadores 2004, para o Once Caldas, da Colômbia, teve tanto ar de tragédia quanto essa eliminação.

O Boca Juniors eventualmente perde jogando em casa, até mesmo para adversários mais fracos em nível local. Mas jogos em grandes, decisivos, de Libertadores, principalmente, a Bombonera costumava intimidar, costumava latir, como dizem os argentinos. Só que no ano passado a torcida já havia feito a diferença negativamente, no confronto contra o River Plate, que provocou a exclusão do time da Libertadores. Desta vez, a pressão da torcida claramente se voltou contra o time, que se mostrou nervoso em muitos momentos da partida e fraquejou no momento mais importante da temporada.

A tragédia na Bombonera foi a cereja do bolo de um primeiro semestre para se esquecer dos grandes times argentinos, além da derrota da seleção na final da Copa América Centenário, aumentando ainda mais o jejum sem títulos da Albiceleste. Resta ver como o clube dos cinco grandes irá reagir na segunda parte de 2016, pois apenas o San Lorenzo está garantido na Libertadores 2017 (ao lado de Lanús, Estudiantes e Godoy Cruz), e a última vaga será destinada ao campeão da Copa Argentina, que será conhecido no final do ano. Serão longos meses no futebol argentino...

sábado, 9 de julho de 2016

Bailando tango en el caos: os 15 anos do Mundial Sub-20 na Argentina

Comandados por Saviola, D'Alessandro e Romagnoli, os Pékerman Boys deram show no Mundial Sub-20 de 2001, em território argentino (Foto: AFP / Divulgação)
O futebol nos reserva alguns momentos que, uma vez presenciados, se tornam marcos na vida dos fãs do esporte. Ontem se completaram 15 anos que a Argentina conquistou o quarto dos seus seis títulos mundiais na categoria Sub-20, em competição disputada em território argentino, decidida no Dia da Independência do país. Eu já era um entusiasta do futebol dos nossos hermanos, depois de ver o grande Boca Juniors de Carlos Bianchi varrer a Argentina e a América entre 1998 e 2001, além da ótima seleção albiceleste, que só parou na poderosa Holanda na Copa do Mundo da França, também em 1998.

A Argentina vinha de dois títulos nas três edições anteriores do Mundial Sub-20, e a geração de 2001 definitivamente não era a mais promissora, já que os times de 1995 e 1997 contaram com nomes do calibre de Sorín, Riquelme, Aimar, Samuel e Cambiasso. De um modo geral, o trabalho de José Pékerman nas categorias de base argentinas era brilhante, tendo revelado grandes craques para o país, além de realizar grandes campanhas nas competições das chamadas juveniles. Este cartaz inclusive o alçou para o comando da seleção principal, para realizar o trabalho visando à Copa do Mundo da Alemanha, em 2006, mas isso é outra história.

O contexto socioeconômico do país era caótico. A crise que já durava dois anos, caminhava para o seu patamar mais crítico, que acabaria eclodindo no final do ano, com as consequências do chamado corralito, instituído pelo então presidente Fernando de la Rúa. A indignação da população nas ruas, sobretudo a mais jovem, ganhava voz nos microfones, com o surgimento da cumbia villera, que se destinava a falar dos malogros de viver na Argentina naqueles tempos. No âmbito futebolístico, um dos melhores times do mundo era argentino, o Boca Juniors, que ganhara dois títulos consecutivos da Libertadores da América e um Mundial, em 2000, sobre o Real Madrid. Além disso, a seleção principal treinada por Marcelo Bielsa nadava de braçada nas Eliminatórias e encantava o mundo, ainda que sem grandes conquistas.

O Mundial ser sediado na Argentina talvez tenha sido um prêmio pelo retrospecto nas competições de base, e o fator local foi aproveitado como poucas vezes se viu em torneios envolvendo seleções. Mandando seus jogos no alçapão do Jose Amalfitani, cancha do Vélez Sarsfield, os argentinos foram literalmente perfeitos. Não só perfeitos, como avassaladores. Os números não mentem: sete vitórias em sete jogos, absurdos 27 gols marcados e apenas 4 sofridos. Artilheiro, craque da competição, prêmio Fair Play da FIFA... A Argentina simplesmente gabaritou a disputa.

Quase todos os titulares daquela equipe ganharam muitos títulos na carreira e defenderam grandes equipes em suas trajetórias. Talvez os únicos que não tenham ganhado notoriedade foram o lateral-esquerdo Julio Arca e o volante Nico Medina, curiosamente os únicos jogadores daquele plantel que já militavam no futebol europeu, ambos atuando no Sunderland, da Inglaterra. De resto, a escalação da final contra Gana fala por si só: Caballero; Burdisso, Colotto, Cetto e Arca; Ponzio e Nico Medina; Maxi Rodríguez, Romagnoli e D’Alessandro; Saviola. Sem contar nomes como Chori Domínguez, Coloccini e Germán Lux.

Naquele Mundial também surgiram nomes importantes do futebol internacional nos anos seguintes, como Kaká, Adriano Imperador, Cissé, Essien, Mexès, Van der Vaart, Donovan, Huntelaar, entre outros menos votados. Ou seja, a competição era acirrada, com Brasil e França, principalmente, contando com bons times, além da Holanda e dos africanos, sempre fortes na base.

A campanha argentina começou com uma tímida vitória por 2 a 0 sobre a Finlândia, quando nem a torcida estava no espírito da competição, o que se tornaria uma sinergia perfeita com o time nas fases seguintes. Na sequência, duas goleadas acachapantes sobre Egito e Jamaica, 7 a 1 e 5 a 1, respectivamente – só Saviola marcou cinco gols nesses jogos e encaminhou a artilharia da competição. Nas oitavas de final, dificuldades contra a surpreendente China, com direito a falha grotesca de Germán Lux e gol de Chori Domínguez a 10 minutos do final. Passado o sufoco, a adversária nas quartas de final seria a fortíssima seleção francesa.

Com muita festa da torcida nas tribunas do Fortín de Liniers, o show de Saviola começou cedo, com o atacante abrindo o placar aos 5 minutos. No entanto, depois de uma primeira parte de amplo domínio argentino, a França começou a gostar do jogo e apresentar sua força aérea, se aproveitando da fragilidade defensiva do time de Pékerman. O empate veio, ainda no primeiro tempo, aos 44 minutos, com Mexès, mas os franceses sequer tiveram tempo para comemorar – menos de dois minutos depois Saviola empatou, convertendo pênalti inexistente sofrido por ele próprio. No final do jogo, em contra-ataque que contou com assistência genial de D’Alessandro, el Conejo completou seu hat-trick e fechou o placar em 3 a 1.

O Paraguai apareceu no caminho argentino nas semifinais, e Saviola apareceu no caminho paraguaio. Dois gols do avante do River Plate abriram o caminho para mais uma goleada, completada por Romagnoli, D’Alessandro e pelo reserva Pollo Herrera. Domínio amplo na competição, goleada nas semifinais, e mesmo contra uma perigosa Gana, a Argentina tinha total favoritismo ao entrar em campo naquele 8 de julho de 2001. Mesmo sem contar com nomes importantes como Coloccini e Domínguez, nenhuma das mais de 30 mil pessoas imaginava sair derrotada do campo do Vélez naquela tarde ensolarada e fria de domingo.


O vídeo acima fala por si só. Uma festa absurda dos torcedores, pressão total do time albiceleste e mais uma vitória incontestável deram o tetracampeonato mundial na categoria Sub-20 para a Argentina. A brilhante geração de jogadores nascidos até 1981 se juntou ao timaço vindo dos campeões de 1995 e 1997, e formou a espinha dorsal do ótimo time comandado pelo próprio Pékerman, que fez boas campanhas entre 2003 e 2006, mesmo fazendo parte deste período insuportável sem títulos da seleção principal – mas que comandaram a Argentina na conquista do ouro olímpico, em 2004.

Apesar de terem carreiras sólidas, repletas de conquistas, os dois jogadores desta geração que mais admiro não chegaram a ser “World Class”. Claro que falo de Leandro Romagnoli e Andrés D’Alessandro. Os torcedores de San Lorenzo e do Internacional certamente serão gratos para sempre, por todos os serviços prestados por eles aos clubes, mas estes eram jogadores que eu imaginava liderando a seleção argentina em títulos de Copa América, de Copa do Mundo, e em grandes clubes do futebol europeu. Junto de Saviola, estes foram os expoentes técnicos desta equipe que me fez respeitar ainda mais a qualidade, raça e vontade de vencer dos argentinos.

Estas três excelentes matérias, além das fichas da FIFA, tem conteúdo muito bom sobre a conquista da Argentina em 2001:

Argentina campeón Sub-20 2001, do argentino El Gráfico
MUNDIAL SUB-20 / ARGENTINA 2001:NO MARAVILHOSO MUNDO DE PEKERMAN, do português Planeta do Futebol (rara matéria da época)
El Sub 20 campeón, una fiesta de fútbol, do argentino La Nación