domingo, 14 de abril de 2013

Presente de grego - não para a tradição

Campeonato Gaúcho ’13, Taça Farroupilha (2º turno), 7ª rodada. Cerâmica 0-2 Cruzeiro, 14.04.2013, Estádio Antônio Vieira Ramos (Gravataí/RS).
Jogo decretou a volta do Cerâmica a Série A2
do Gauchão. (foto: Jhon Willian Tedeschi)
Primeiramente devo dizer que tentei não ser neutro nesta tarde de futebol em Gravataí. Havia decidido já no final da 6ª rodada da Taça Farroupilha que me faria presente no jogo entre Cerâmica e Cruzeiro, pelo nível de dramaticidade que a partida prometia (e, de fato, cumpriu) e porque, convenhamos, futebol é na arquibancada. Pois bem, me travesti de torcedor ceramista e fui ao Vieirão acompanhar o jogo. Admito, nunca tive qualquer vínculo com o clube que fica a cerca de 20 minutos da minha casa, no centro de Gravataí.

Mais conhecida como “a cidade da GM”, Gravataí está em meio aos festejos pelos 250 anos de sua fundação, completados na última segunda-feira, dia 8. Eu não sabia, descobri na noite do sábado, ao ir a uma festa na cidade e presenciar um show do Tchê Barbaridade (!), no Parcão do município. Não conheço nenhuma outra coisa interessante da cidade na qual estudei um semestre e tenho uma meia dúzia de amigos e conhecidos. Por isso e outras coisas que virão na sequência, não me compadeci da queda do Cerâmica, um presente daqueles que comunidade nenhuma gosta de ganhar.

Pela 3ª vez no Gauchão estava assistindo a jogos do Cerâmica, antes havia os visto enfrentar São José e Grêmio, ambos os jogos em Porto Alegre. A impressão que tive dos times de Guilherme Macuglia e Luís Eduardo nas oportunidades era que o problema não estava na casamata. Fui para o estádio duvidando que eu fosse desmentido. Não fui. O time é realmente muito fraco, a única coisa boa que aconteceu ao time neste Gauchão foi a aparição de Soares, centroavante oriundo da Paraíba, de nível razoável para os padrões do futebol do interior. No geral, faltam qualidades básicas a maioria dos jogadores, e se viam erros primários que nem na várzea acontecem.

A arquibancada é um capítulo à parte. Normalmente vazia nos jogos anteriores, houve um fenômeno impressionante para o cotejo deste domingo. Cheguei ao estádio e me surpreendi ao ver o pavilhão social completamente lotado. Somente o jogo contra o Internacional havia tido mais de 100 pagantes, e certamente havia mais gente ali naquele setor do que na totalidade no jogo contra o time colorado. De certa forma foi bonito de ver, embora não tenha sido digno, pois a comunidade simplesmente ignorou o time durante todo o campeonato, mesmo com a campanha decente na Taça Piratini (quando caiu nas quartas-de-final para o vice-campeão São Luiz).

O jogo foi ruim, muito ruim. O Cerâmica tentava amorcegar o jogo, já que o empate lhe servia, mas errava o suficiente para tirar seus simpatizantes do sério, enquanto o Cruzeiro não parecia estar jogando a vida, usando e abusando das firulas quando tinha a bola nos pés. O primeiro tempo não teve quase nada que prestasse, exceções feitas a um chute de Jean Paulo, ainda no começo do jogo, que assustou Alexandre Villa, e às pixotadas da defesa ceramista, excessivamente permissiva com o ataque estrelado. A etapa final parecia ir pelo mesmo caminho, enquanto nada acontecia nos outros jogos que interessavam aos desesperados. Parecia, até o desastre, aos 6’ do segundo tempo.

Desastre sob todos os aspectos, técnico, anímico e plástico. Jean Paulo foi lançado pela esquerda, cruzou e o lateral-esquerdo Pedro, prata da casa, jogou de carrinho para dentro do próprio gol. Sim, o Cruzeiro abria o placar em Gravataí com um gol contra, que além de tudo que envolve um gol contra, foi extremamente feio. Festa dos cerca de 200 torcedores cruzeiristas que foram a Gravataí apoiar o seu time, desespero dos torcedores do time local, que inclusive passaram a tentar apoiar o time, já que eram até então um público contemplativo. Quase sem alternativa, Luis Eduardo tirou o jogador mais lúcido da equipe, Serginho Catarinense, e colocou Cristian (ex-Palmeiras, Coritiba, entre outros), inexplicavelmente no banco.

O que se viu dali em diante foi um show de balões, cera e malandragem do Cruzeiro, que, apesar dos pesares, é um time bem razoável, com bons valores, como o goleiro Fábio e o atacante Jô. Com a bola nos pés, o time porto-alegrense mostrava muita superioridade, chegando com muita facilidade ao campo de ataque. Se tivesse apertado um pouco mais, poderia ter tido muito mais tranquilidade para garantir a vitória e a permanência na Divisão Especial. Os gols do Pelotas e do Santa Cruz também não ajudavam. No finalzinho, Márcio mataria o jogo e o Cerâmica, em mais um contra-ataque mortal – desta vez, literalmente. Comemoração incrível do banco de reservas, da torcida, dos jogadores, era como se o Cruzeiro tivesse conquistado um título.

De fato, conquistou. Após o término da partida apareceu um troféu (?) com os jogadores, que festejaram com seus hinchas e fizeram pose para levantar a taça, ainda que o maior prêmio fosse a manutenção da categoria. Ganha, rebaixa o time da cidade aniversariante e leva para casa uma taça comemorativa a este aniversário – sem contar que o Cruzeiro está de mudança para Cachoeirinha, que tem uma relação bastante íntima com Gravataí. Quem mais lamentou a queda foi o goleiro Alexandre Villa, experiente, com passagens pelo futebol europeu e certamente um dos menos culpados pelo descenso do clube. Ao final do jogo, os simpatizantes do Cerâmica saíram como se sai de uma sessão de cinema, sem demonstrar qualquer sentimento quanto à queda do clube. A comunidade de Gravataí realmente não merece um time disputando o Gauchão.

Fica o Cruzeiro, de uma comunidade bastante pequena em Porto Alegre, mas que mesmo assim levou 200 torcedores ao Vieirão para fazer um buzinaço no centro de Gravataí após o jogo. Isto torna um clube grande. Duvido que o contrário aconteceria, por isto não lamento a queda do Cerâmica. Ficará muito bem como clube do 3º escalão do futebol gaúcho. Marcante também foi a oração feita após o jogo, quando os jogadores, comissão técnica, dirigentes e funcionários ficaram no círculo central do gramado durante cerca de 5 minutos, agradecendo aos responsáveis pela vitória. Certamente ficará registrada como uma das imagens do campeonato. Digna, assim como a permanência de um clube muito tradicional do nosso futebol.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Sou gremista e o Grêmio não me representa

Chegou ao ponto de eu dizer isto. Chegou o ponto em que a insatisfação é tamanha, que a revolta é tão grande, que um desabafo é quase obrigatório. Começo o texto sem me importar se a retórica irá fugir, se as concordâncias e a gramática não serão as mais adequadas, ou se alguns palavrões irão aparecer. Aliás, peguem o primeiro: foda-se, assim o farei única e exclusivamente porque quero fazer. Me dou a esse luxo, porque estão matando o meu clube, estão matando o Grêmio lentamente, como em uma tortura chinesa, como nos tempos do DOPS, em que a censura imperava e não se podia fazer nada, sob pena de sentir o sarrafo comer nas suas paletas. A única diferença é que o governo não é uma ditadura; pelo contrário, vivemos uma época populista, se dependesse dos nossos governantes, as coisas seriam diferentes, ou melhor, seriam como deveriam ser.

Na minha última aparição aqui no Vida Cancheira, eu “prometi” tocar no assunto Arena do Grêmio (sic) com a cabeça mais fria, após o jogo contra o Lajeadense. Aconteceram 3 jogos em que sequer passei perto da cancha do Humaitá (Caxias, Cruzeiro e Cerâmica, todos pelo nosso “charmoso Gauchão” [BRITO, Paulo; 2013]), antes do meu retorno nesta quarta-feira. Uma noite que, em Condições Normais de Temperatura e Pressão, seria uma noite de total delírio copeiro, loucura, psicopatia e caos, uma promessa de reviver Las Grandes Noches Coperas de 2007, quando derrubamos São Paulo e Santos na base do bafo na nuca no meio do furdúncio. Não me importei em pagar um valor absurdamente abusivo por um ingresso – creio que nunca mais irei pagar tão caro na vida para assistir a um jogo de futebol. Copa é Copa, quem sabe, sabe.

O problema (ou solução, para resolver este texto) é que a cabeça não esfriou. Ela quase explodiu na noite de ontem, com todo o contexto que se apresentou no, me desculpem os enamorados daquela cancha, Teatro da OAS. Um Teatro contaminado pelo fedor da censura, que o DOPS, digo, o BOE insiste em atirar na nossa cara – quase que literalmente, o atirar. Acabaram com nosso direito de fazer festa, acabou o nosso direito de não passar calor, acabou nosso direito de manter-se em pé, acabou nosso direito de beber Coca-Cola mais gelada do que a lata nos permite, acabou nosso direito de fumar um Marlborão, porque todo gremista é um marginal, um filho da puta e isto não vai ficar assim, porque você vai matar um torcedor rival com uma pedra de gelo, porque o estádio (sic) de futebol é um ambiente fechado e sua fumaça vai intoxicar de morte o seu coleguinha do lado, porque você vai perfurar o crânio do goleiro adversário com o PVC da bandeirola ou matar um brigadiano com um murgaço, porque não se deve mais falar palavrão, xingar o juiz, o adversário, seu goleiro, seu técnico, a avó do Badanha, nem sequer pensar em xingar a si próprio, por ter sido um imbecil completo de deixar isto acontecer e, pior, abrir as pernas para tudo isto, “consumindo” o futebol moderno e sendo conivente com toda esta palhaçada.

A Brigada Militar abusa da sua autoridade, a direção do Grêmio abusa do bom-mocismo, isto reflete nas arquibancadas, reflete na cabeça dos jogadores dentro de campo e refletirá, finalmente, que não ganharemos a Copa. O nosso time é uma seleção, um timaço de verdade, melhor que o da época da ISL, quando uma grana absurda foi investida no clube (daquele jeito, é verdade, mas havia muito dinheiro). Só que, todos sabemos, não se ganha uma Copa só com um time forte. Times medíocres já foram muito longe na Copa graças à sinergia entre todos os envolvidos: os 11 dentro de campo e os 15, 20 ou 50 mil fora dele (o Grêmio de 2007 que o diga). Eu não quero um estádio lotado, desde os tempos de Olímpico eu nunca quis. Sempre preferi que tivéssemos 20 mil ensandecidos, do que 50 mil para assistir a uma peça de teatro, ou a uma sessão de horário nobre no cinema. Aliás, teatro e cinema são alternativas muito mais baratas em relação aos jogos no Teatro da OAS, aviso desde já. Ontem sentei em uma poltrona que nem em viagens aéreas eu havia sentado. Pergunte-me se era isto que eu queria? É o óbvio ululante de quatro Libertadores nas paletas que não. Como eu disse acima, eu quero loucura, eu quero alento, eu quero um clima de Copa de verdade, do jeito que eu cresci vendo os estrangeiros fazendo e amadureci participando, uma vez que nossos clubes aprenderam que criar um “clima de Copa” não era feio e não fazia mal. Hoje é mais que feio. É criminoso. Dá cadeia.

Admito que o Teatro seja espetacular. Espetacular para quem vai assistir ao show do Roberto Carlos no dia 20, por exemplo. Não é aceitável nem para quem vai a um show de rock’n’roll, como foi especulado para o evento de inauguração do recinto, em dezembro passado, até porque a nossa forma de torcer vai muito mais de encontro ao rock’n’roll do que ao samba, lento, cadenciado, e por vezes mais amargo que o recomendável. Que ao menos haja um espaço para torcer do modo rock’n’roll, do modo copeiro, que haja um espaço para intimidar o adversário, que incite o estádio a se transformar em um caldeirão, em um inferno para quem venha nos enfrentar. Falo hoje do Grêmio, amanhã alguém vai falar o mesmo do Inter e seu Beira-Rio em avançado processo de “modernização”. Podem anotar. Se os demais estádios “modernizados” do Brasil seguirem esse mesmo padrão, o que acredito que acontecerá, adeus futebol brasileiro.

Finalizo voltando a falar do Grêmio, porque o que aconteceu ontem – está exposto, não vou ficar repetindo o que todo mundo já sabe, mesmo sem ter visto – me deixou extremamente desgostoso, triste, de verdade. Estão acabando com o maior patrimônio que o Grêmio tem, que é sua torcida, estão fazendo com que ela se volte contra a instituição, contra a camisa que aprenderam a amar acima de muitas coisas que seriam mais importantes para pessoas normais, mas, para nós, que somos torcedores, não são. Já nos tiraram nosso estádio, tiraram nossa tradição de time copeiro e vencedor, nos dando em troca um time que, em que pese sua qualidade, é de um bunda-molismo que irritaria até Dalai Lama, comandado por um jóquei de pônei, que ganhou um cavalo sem freio e não sabe o que fazer. Agora o Grêmio está fazendo com que sua gente se afaste, não diretamente, mas dando o aval para tudo isto que foi relatado aqui. O Grêmio que eu cresci aprendendo a amar está em estado terminal, e o pior ainda está por vir. Juro que vou tentar não ser um dos ratos a pular da barca.