domingo, 14 de agosto de 2016

Enfrentando o medo da história

Jogadores do Grêmio agradecem o apoio da torcida em um domingo histórico na Arena. Mas o que os torcedores querem mesmo é um motivo para ser grato de verdade aos jogadores (Foto: Rodrigo Rodrigues / Grêmio FBPA)
Um jogo de futebol vai muito além do trivial que acontece dentro das quatro linhas, com 22 pessoas correndo atrás de uma bola com o objetivo de colocá-la dentro de um retângulo de aproximadamente 2 metros de altura e 7 metros de largura. A nível profissional existe um nível de paixão quase que insana envolvido nesse processo, que não dura apenas 90 minutos, mas faz parte do cotidiano de milhões e milhões de pessoas. As histórias contadas, que geram inúmeras músicas, livros e filmes, são o principal ingrediente desse contexto que permeia as imaginações e a realidade, numa separação tão tênue que muitas vezes faz com que elas se misturem sem aviso. A realidade, inclusive, pode ser um fardo praticamente insuportável a se carregar, até mesmo pelos que deveriam ser profissionais – sim, os jogadores.

O Grêmio está imerso em um momento histórico muito denso dos seus quase 113 anos de existência. Há um processo de adaptação a uma nova casa, a uma nova realidade que se fez inadiável, já que o velho Olímpico do bairro da Azenha não suportava mais as necessidades do clube. Há um período sem grandes conquistas que é angustiante para o torcedor, ainda que o Tricolor, enquanto instituição, tenha ficado à beira de um precipício sem volta a pouco mais de uma década – mas vai explicar isso para o torcedor, esse ser visceral que perde totalmente seu discernimento quando tocam no distintivo do seu clube do coração. Diante disto, surgem os pequenos tabus, coisas simples e que incomodam tanto quanto essas questões transicionais mais pesadas.

O Tricolor manda seus jogos em uma moderna arena cravada na periferia de Porto Alegre a pouco mais de três anos. Confesso minha pouca afeição ao local, pela minha relação muito próxima ao Monumental de tantas glórias, mas é necessário encarar a realidade e seguir a vida. Criou-se uma aura de que o Grêmio e sua torcida ainda não tinham permitido ao novo estádio que ele tivesse alma, como se um amontoado de concreto pudesse ter vida própria – sempre acreditei que o Olímpico tinha. Sobretudo nos jogos decisivos, ou quando uma multidão resolvia ir apoiar o time, esse sentimento se fortalecia, sobrepunha às barreiras das quatro linhas, e fazia com que os jogadores travassem ou que houvesse algo em potencial para dar errado.


Muitas vezes deu errado, este blog é testemunha de algumas dessas ocasiões, mas finalmente ocorreu o aparentemente definitivo exorcismo desse fantasma que frequentava os becos e praças desertas da Vila Farrapos. No ensolarado e quente final de manhã deste domingo, o Grêmio recebeu o Corinthians, no primeiro de três duelos vitais para que o sonho do título brasileiro deste ano não virasse um pesadelo, e o churrasco do dia dos pais ficou ainda mais saboroso com a vitória categórica por 3 a 0 contra os atuais campeões nacionais. A Arena recebeu o maior público de sua curta história em jogos oficiais, pouco mais de 50 mil pessoas, que viram uma atuação correta de um time desfalcado de seus dois melhores jogadores, mas que soube superar suas limitações e se aproveitar das fraquezas corintianas.

Foi um jogo sem redenções épicas, nem grandes histórias para contar. O Grêmio tomou a iniciativa do jogo, empurrado pela multidão que foi lhe apoiar, e sufocou o Corinthians até abrir o placar, em um golaço de Pedro Rocha. O time paulista teve enormes dificuldades na contenção do jogo, estando organizado em um 4-1-4-1 que não tinha compactação, muito menos a necessária voluntariedade dos jogadores da terceira linha nos raros momentos sem a posse da bola, situação personificada no paraguaio Romero, de péssima atuação. Muitas vezes os donos da casa alugaram o campo para os visitantes, atraindo as linhas rivais para o seu campo, visando ao contra-ataque. Deu certo, o Grêmio desarmou muito mais, utilizou com alta eficiência a velocidade de Pedro Rocha, Everton e Bolaños, e matou o jogo no início da etapa complementar.

Duas coisas são importantes ressaltar. Em primeiro lugar, novamente a defesa gremista protagonizou momentos de horror na bola aérea, sempre nos 15’ finais de cada tempo. Não fosse a péssima pontaria dos homens de frente do Corinthians, a atuação iluminada de Marcelo Grohe e uma boa dose de sorte, o resultado poderia ter sido totalmente diferente. O posicionamento da zaga tricolor ainda vai me fazer voltar a ter medo de altura, que troço impressionante. Outra coisa... Sigo com minhas restrições ao técnico Roger Machado, sua visão de jogo (a falta dela, no caso) e as limitações para alterar o panorama de um jogo complicado. Mas, hoje, pelo menos, nosso treinador não atrapalhou, mexeu certinho, colocando as peças certas, nos momentos certos. Tudo bem que as circunstâncias ajudaram, mas a dupla Kaio e Ramiro não ficou devendo em nada para Jaílson e Maicon, além da entrada de Guilherme, não tão bem como outrora, mas em nível aceitável.

O primeiro desafio foi superado. O Grêmio voltou para o grupo dos 4 melhores do campeonato, ainda com um jogo por fazer – contra o Botafogo, no dia 4 de setembro. Na sequência, o Tricolor irá enfrentar o Flamengo, na manhã do próximo domingo, em Brasília. É mais um dos chamados “jogos de 6 pontos”, e é importante pontuar, uma vez que os demais rivais na briga pelo topo da tabela terão todos adversários acessíveis. Depois, o oponente é o Atlético-MG, em Porto Alegre, uma pedreira tão grande quanto Corinthians e Flamengo. A impressão é de que o time parece moldado ao enfrentamento de igual para igual, contra times da mesma grandeza, o que traz boas perspectivas para esta série de carnes de pescoço. Volta à tona aquela coisa de saber porque ganha e porque perde, perder o medo de ser feliz e de mudar a história. A oportunidade está batendo na porta novamente.

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